CAPÍTULO #6 – Bikers Without Frontiers

“TIA – THIS IS AFRICA.”
“I’M NOT AFRICAN BECAUSE I WAS BORN IN AFRICA BUT BECAUSE AFRICA WAS BORN IN ME.”
“AFRICA IS NOT FOR SISSIES.”

Estas são três conhecidas frases sobre África, mas que se encaixam perfeitamente no que os nossos pilotos sentem por este continente.

“BWF – MISSÃO MARRERE”

Lisboa, 28 de outubro de 2021

Três motociclistas portugueses vão viajar até Nampula, no norte de Moçambique.

A “BWF – Bikers Without Frontiers Association”, é uma organização humanitária sem fins lucrativos. Está a apoiar o Hospital Geral do Marrere em Nampula, tem neste momento um contentor carregado com material hospitalar a caminho do Porto de Nacala para ser entregue no referido hospital.

O Paulo Almeida – Presidente da BWF, o Rafael Paulino e o Carlos Martins vão viajar de moto desde a Cidade do Cabo até Nampula para entregar em mão o contentor. Deste modo, os muitos particulares e empresas que fizeram doações terão a certeza que as suas dádivas chegarão aos verdadeiros destinatários.

A 12 de Novembro de 2021 pelas 18:30h, terá lugar junto ao Padrão dos Descobrimentos em Belém uma partida simbólica com a presença dos 3 motociclistas.

A verdadeira partida será 2 dias depois no Cabo da Boa Esperança – África do Sul.

Serão percorridos 13 mil quilómetros.

“Este foi o Press Release enviado às redações e que explica o que pretendia ser esta viagem. O factor COVID como poderão ler mais adiante, condicionou os nossos planos. A ideia inicial era partir de Lisboa com as nossas motos. O conflito armado na Etiópia e posteriormente o golpe de estado no Sudão inviabilizaram este trajeto. Passámos então ao plano B que consistiu em voar para Cape Town onde tínhamos 3 BMW GS 1250 à nossa espera.”

Numa viagem de moto tão longa e em África, os nossos pilotos têm que ir preparados para o que possa acontecer, o que implica levar uma parafernália de itens, ferramentas, bomba para pneus, câmaras de ar, para além de todo o material de campismo, cada um levou a sua tenda. Isto é um enorme problema porque o peso da mala de porão não pode exceder os 23kg.

“Viajamos de Lisboa para Amesterdão e de Amesterdão para Cape Town completamente equipados com botas, calças, blusão e capacete o que não deixou de ser hilariante, imaginem três marmanjos equipados como se fossem fazer o Dakar a correr pelo aeroporto de Schiphol para não perderem a ligação.”

Chegados ao destino, têm o grande amigo Uwe Schmidt à espera, melhor anfitrião é impossível. Ficam alojados numa casa de campo em Hout bay, um local lindíssimo rodeado de verde.

A Província do Cabo Ocidental merece por si só um artigo dedicado, é uma vasta região rodeada de montanhas e mar. A sua capital é a Cidade do Cabo. Nesta província encontra-se o Cabo da Boa Esperança e o ponto mais austral de África, o Cabo Agulhas onde as águas do atlântico e do indico se encontram. É também nesta província que se encontra a principal região produtora de vinho do país.

“Foi precisamente no Cabo da Boa Esperança que iniciámos “oficialmente” a nossa viagem pela África austral com destino a Nampula, no norte de Moçambique. Domingo o nosso primeiro e último dia no Cabo foi intenso, depois de recebermos as motos seguimos o Uwe na sua GSA pelas belas estradas da zona, Parque Nacional de Table Mountain, Chapman´s Peak Drive, Cape Point, Simon’s Town, eu sei lá… Todos estes locais são de sonho para se percorrer numa moto. Um belo almoço na esplanada do Fran`s Place em Simon´s Town também com a companhia do Matei um esloveno cidadão do Mundo que conheci em Lisboa há 10 anos e atualmente a viver em Cape Town. Por falar em “cidadão do Mundo” a nossa mesa de jantar mais parecia uma reunião das Nações Unidas, 3 portugueses, 1 sul-africano, 1 esloveno, 1 brasileiro, 1 turco e o dono do restaurante era madeirense. Viajar é isto. Segunda-feira começa a semana e começa também a nossa viagem. Cinco horas da manhã com as motos carregadas e atestadas fizemo-nos à estrada, a A7 também conhecida como Cape – Namíbia Road esperava-nos, não sem antes termos de gastar uma hora e meia para sair da zona urbana do Cabo. Foram 780 km sem muito que contar, paragem para almoço em Springbok no Nando´s uma cadeia portuguesa de frango assado e a primeira fronteira ultrapassada sem problema, até o teste PCR que tínhamos feito em Lisboa serviu. Estávamos na Namíbia, não fossem os 44 graus e teria sido um “passeio no parque”.”

Namíbia

Este fascinante país possui no seu território dois desertos quentes, a oeste e próximo do litoral está o Deserto Namibe (considerado o mais antigo do Mundo) partilhado com Angola e a Leste temos o Deserto do Kalahari.
A rede de estradas está catalogada por letras, A, B, C, D, E e F.
Apenas 6% são asfaltadas, as A e as B, todas as restantes que são a grande maioria são de terra, gravilha e areia.
Foi precisamente numa D que se registou a única queda da viagem. Felizmente sem consequências graves quer para o piloto, quer para a moto, ambos depois de recuperados do choque seguiram viagem.

“Vale a pena referir que todo o trajeto desde Cape Town passando pela Namíbia, Botswana até à Zâmbia já era por mim conhecido, pois é exatamente o percorrido pelo África Tour da Motoxplorers empresa onde sou tour-guia. Nesta nossa viagem optámos por não ter um planeamento rígido pois as distâncias a percorrer diariamente dependiam de vários factores, a única certeza era a direção a tomar, onde iríamos pernoitar era sempre uma surpresa, por isso mesmo demo-nos ao trabalho de transportar material de campismo, a premissa era não viajar de noite, se chegada a hora não houvesse alojamento ou este fosse demasiado caro entraria a tenda em ação. Nunca considerei a hipótese de em época de Covid apanhar um hotel completamente cheio, mas aconteceu por três vezes. A primeira delas foi logo à chegada à Namíbia, cansados, suados e ansiosos por uma cerveja gelada somos confrontados com uma resposta de “full booking”. O lodge mais próximo era a 60km, estava fora de questão sairmos dali. Pergunto à simpática rececionista que se lembrava de mim por ter lá estado há 2 anos se podíamos acampar, a grande maioria dos lodge têm um local para acampar (campsite) e a resposta foi positiva, já tinha valido a pena ter levado as tendas, colchões e sacos-cama. Poupamos dinheiro e pudemos beber uma cerveja bem gelada. Norotshama River Resort Camping 10 euros por pessoa, debaixo de um céu com mil estrelas nas margens do Orange River, casas de banho impecáveis, restaurante e bar à disposição, é caso para dizer que há males que vêm por bem. Foi a única vez que utilizámos as tendas. Demoramo-nos na Namíbia quatro dias, muito pouco pois este país merece muito mais. Visitamos o Fish River Canyon, o segundo maior canyon do Mundo, almoçámos na Canon (Canyon) Roadhouse local obrigatório de paragem de todos os overlanders. A decoração do restaurante e de todo o restante espaço é absolutamente fascinante remetendo o viajante para épocas passadas em que viajar era verdadeiramente um ato heroico. De entre centenas de velhas chapas de matrícula que revestem o balcão saltou-me à vista uma portuguesa. Sem dúvida um local a não perder. Aus é uma pequena cidade no Deserto do Namib, durante a II Guerra Mundial existia um campo de prisioneiros alemães capturados pelas tropas sul-africanas, hoje é também conhecida pelas manadas de cavalos selvagens, estes animais resistem às duras condições do Namib, com pouco que comer e certamente que beber, junto com as avestruzes e os oryx são a fauna que podemos encontrar enquanto nos dirigimos para a linda Luderitz. No caminho é obrigatória a visita à Cidade agora fantasma de Kolmanskop.”

Em abril de 1908, Zacharias Lewala, um trabalhador da linha ferroviária entre Luderitz e Aus No, encontrou uma pedra brilhante e mostrou-a ao seu supervisor, que logo percebeu que tipo de pedra era. Conseguiu uma licença de prospeção e depois apresentou a pedra para verificação. O geólogo estatal Dr. Range confirmou tratar-se de um diamante, e em poucos meses a corrida aos diamantes ocorreu em redor do local de Kolmanskop, a 10 quilómetros para o interior da cidade costeira de Luderitz. Ali nasceu uma cidade no meio do deserto, mas onde nada faltava.

Percorrem os poucos quilómetros que os separavam de Luderitz e é com agrado que vislumbram o oceano, é sempre agradável estar junto ao mar. Esta cidade costeira tem sediada uma importante frota pesqueira, logo o almoço teria de ter origem na água salgada do Atlântico. The Portuguese Fisherman tal como o nome indica é propriedade do sr. Joel, um simpático aveirense que ali se estabeleceu.

Até Keetmanshoop são aproximadamente 340 km, pernoitam aí, não sem antes se depararem com o segundo hotel “full booking”.

Boas estradas com bom asfalto, afinal, estavam a aproximar-se da capital Windhoek. Paragem no Trópico de Capricórnio para a foto da praxe, voltarão a cruzar esta linha em Moçambique.

Na Namíbia assim como na África do Sul e no Botswana existem áreas de descanso de X em X km com mesas, bancos e o mais importante, com sombra.

“Era aí que fazíamos as nossas refeições, almoço e lanche constituídos por água, muita água, fruta e biltong (vá lá, vão ao google ver o que é). Chegados à capital ficámos alojados no já meu conhecido Roof of África, conseguimos um “family room” que é como quem diz um quarto com cama para o casal e cama para os miúdos, essa era destinada ao mais velho, a cama de casal ficava para os jovens. Este hotel tem a grande vantagem de ser a 600 metros do Joe´s Beerhouse talvez o restaurante mais conhecido de Windhoek, é turístico, mas também bastante frequentado pelos locais o que lhe confere alguma credibilidade. Destaca-se pela original decoração e pelo cardápio onde podemos provar quase toda a fauna selvagem da Namíbia, todo o tipo de antílopes, crocodilo e até larvas. Foi um jantar bastante animado, ao nosso lado tínhamos um casal alemão a quem aproveitamos para “vender” as maravilhas de Portugal. O dia seguinte esperava-nos para mais uma passagem de fronteira.”

Botswana

70% do seu território faz parte do deserto do Kalahari e 17% são Parques Nacionais, reservas da vida selvagem.

Se a passagem de fronteira para a Namíbia tinha sido fácil e rápida a entrada no Botswana embora igualmente fácil não seria tão rápida. Foram 4 horas à espera do resultado do teste covid feito ali mesmo no posto fronteiriço.

“Aproveitamos para descansar e estivemos também à conversa com três simpáticas senhoras pertencentes à tribo Herero cujos vestidos são inspirados no estilo Vitoriano, são feitos de linho, são pesados e cobrem o corpo da cabeça aos pés. Felizmente os testes chegaram e estávamos todos negativos, não imagino o que faríamos se um de nós acusasse positivo, nem sequer foi tema de conversa. É sempre um sentimento de alívio quando montamos na moto, engatamos a primeira e rolamos num novo país, não sei explicar, mas é uma alegria, é assim como se tivéssemos passado num exame.”

Entrar no Botswana é entrar numa África diferente da África do Sul e da Namíbia, o deserto do Kalahari é arrebatador e surpreendente, tal como o local onde ficaram alojados na primeira noite neste novo país. Perto da cidade de Ghanzi fica o Thakadu Bush Camp que fica mesmo no meio do ‘bush’ que é a palavra inglesa para mato. Jantar com vista para um pequeno lago onde vários antílopes matam a sede e dormir rodeados pelos sons do mato; Experiências maravilhosas.

“Na manhã do dia seguinte esperava-nos uma outra experiência que estou certo nenhum de nós vai esquecer.”

Manhã bem cedo e o sol do Kalahari já é impiedoso. Dois homens e uma mulher recebem os pilotos com um sorriso. Estão numa aldeia, Bushman, 20 minutos a pé do alojamento e a uma hora de carro da cidade mais próxima, Ghanzi, no Botswana ocidental.

É uma aldeia dos bosquímanos Basarwa – Kalahari, os primeiros habitantes da África Austral que, no entanto, não retiram grande vantagem dessa honra. A história deste povo daria para uma longa prosa.

“Se daqui a 10 anos visitarem esta região provavelmente já não terão a sorte que nós tivemos de poder conviver com este povo maravilhoso, a sua extinção está eminente.”

No Botswana os inúmeros Parques Nacionais, reservas da vida selvagem não têm vedação, a possibilidade de na estrada se cruzarem com uma manada de elefantes, girafas ou zebras é enorme e claro que aconteceu, várias vezes. Rodar numa moto no deserto onde as temperaturas chegam aos 40º é só por si cansativo e desgastante, impunha-se um dia de descanso sem moto, claro que a motivação para a paragem não era o cansaço, (quem anda de moto por gosto não cansa), tinham que fazer um Safari, estavam no local certo, a cidade de Maun, a 90 km do Moremi Game Reserve, o único Parque Nacional do Delta do Okavango. Com 3.900 quilômetros quadrados, esta reserva alberga a mais variada e rica fauna e flora africana.

“Choveu desde que saímos das nossas tendas no Audi Camp pelas 5 horas da manhã até que voltamos 12 horas depois. Percorrer os trilhos do Moremi é ser protagonista de um documentário da National Geographic, quase que dá para ouvir em fundo a voz de Sir David Attenborough. Estar a poucos metros de um enorme elefante é qualquer coisa indescritível. O nosso querido Botswana ia ficar para trás, o nosso destino era o Hospital Geral do Marrere em Nampula e ainda estávamos muito longe. De Maun seguimos para Nata e depois Kazane, muitos elefantes e girafas cruzaram-se connosco, numa estação de serviço em Gweta, aliás a única num raio de 300 km descobrimos um autocolante de uma grande viajante overlander, a Kinga, sabíamos que ela andava por ali, teria sido interessante encontrá-la, mas ficamo-nos pelo autocolante.”

Chegam a um local que talvez seja único no Mundo. O rio Zambeze é fronteira comum para 4 países, Botswana, Namíbia, Zimbabué e Zâmbia. Seriam menos quilómetros irem pelo Zimbabué, mas a crise económica e política que há anos assola este país fez os pilotos optarem pela Zâmbia.

“Atravessámos a novíssima ponte de Kazungula e deparamos também com um posto fronteiriço acabadinho de inaugurar, com a grande vantagem de os dois países partilharem o mesmo edifício facilitando assim a vida aos viajantes. Não os vou maçar com a descrição dos trâmites fronteiriços, mas foram penosos e pela primeira vez deparámo-nos com a tão falada corrupção africana.”

Zâmbia

A Zâmbia, antiga Rodesia, é outro jovem país (independência em 1964) sem costa marítima da África austral.

“Apenas nos demoramos 4 dias neste novo país. A primeira noite foi passada em Livingstone, esta cidade ganhou o nome do explorador inglês que descobriu as cataratas Victoria Falls uma das 7 maravilhas do Mundo. Seria um crime estarmos ali e não irmos visitar as cataratas, claro que fomos e foi espetacular. Tivemos o prazer de percorrer a pé a Victoria Falls Bridge uma obra de engenharia inaugurada em 1905. Os ingleses tinham o sonho de unir por caminho de ferro Cape Town ao Cairo, infelizmente a linha ficou por ali.”

Ainda pisaram solo do Zimbabué já que a ponte é partilhada pelos dois países, a fronteira são duas linhas amarelas pintadas exatamente a meio. O espetáculo que a mãe natureza proporciona com toda a água a cair pelas escarpas é um bálsamo para os sentidos, não há fotografia ou filme que possa substituir a presença, toda a atmosfera que envolve os visitantes é quase mágica, um spray que não é comparado nem a chuva nem à humidade do ar, são as cataratas a colarem-se aos corpos. E como descrever o som? Impossível, a visita física é obrigatória.

“Dizia-nos um polícia, na Zâmbia: “Podem andar à vontade, só temos um ladrão, o macaco Babuíno, Baboon”. O Rafael pode comprovar a veracidade da afirmação do polícia, um destes primatas que podem atingir 1,50m de altura com caninos enormes roubou o nosso saco de pão mesmo debaixo do nariz do Rafa e ainda o ameaçou. Em toda a viagem foi o único episódio em que vimos a nossa segurança ameaçada.”

Tinham definitivamente deixado as paisagens desérticas para trás, esta já era uma África de vegetação exuberante onde os castanhos intercalam com os verdes. Estradas com bom alcatrão e sempre com vista para uma qualquer montanha, um prazer para os olhos.

Muita vida à beira da estrada, muita fruta para ser comprada pelo viajante e muitas aldeias tradicionais.

“Como a nossa experiência na fronteira da Zâmbia não tinha sido muito agradável decidimos evitar a entrada no Malawi, embora essa decisão nos obrigasse a fazer mais km pois teríamos de contornar este país, indo para sul para depois voltarmos para norte e sabíamos também que a estrada que vai de Katete, Zâmbia para Tete em Moçambique estaria em muito mau estado. Ainda assim arriscamos, mas desta vez o risco não compensou, não conseguimos visto no posto fronteiriço de Cassacatiza, a máquina que imprime e regista os vistos tinha avariado, o que nos obrigou a voltar à Zâmbia e quase sermos obrigados a pagar novo visto. Este fim de dia entre fronteiras e regresso a Katete para pernoitar foi digno de um filme de aventuras com tempestade de areia à mistura e 65 km de uma estrada de crateras feita de noite escura. Pela terceira vez ouvimos a expressão “full booking”. Como é que naquele fim do mundo um hotel podia estar esgotado, para mais em tempos de Covid? Mas estava e não tivemos outra alternativa senão procurar outro local para descansar o esqueleto que naquele dia tinha sido bastante maltratado. Arranjamos um sítio para dormir, mas só isso, nem jantar nem pequeno-almoço no dia seguinte, uma cama já não era mau. Jantamos o que o Rafael tinha na “despensa” o que era muito pouco e ainda dividimos com os guardas do “resort” que ainda estavam piores que nós. Viajar também é isto.”

Para não terem que voltar para trás e ir a Lusaka tentar o visto na embaixada, o que os obrigaria a percorrer 1.200 km a mais, voltam ao plano inicial que era entrar e atravessar o Malawi.

Malawi

O posto fronteiriço de Mchinji não se revelou tão mau como imaginavam, fizeram o teste Covid mais rápido de sempre e sem terem que pagar pela urgência, foram só 6 horas de fronteira bastante tranquilas.

A paisagem varia entre planícies, planaltos e montanhas, tudo muito verde. Na região sudoeste por onde passaram a leste do vale do rio Shire, ergue-se o maciço de Mulanje com o pico Sapitwa que, com 3 002 metros de altitude, é o ponto mais elevado do país.

“Ao longo da estrada íamos parando aqui e ali ora para satisfazer necessidades fisiológicas (mais o Rafael) ora para descansar o rabo e esticar as pernas. Como era eu que ia na frente, tentava parar sempre onde houvesse gente para ter alguma interação. Fomos sempre bem tratados e bem recebidos, com curiosidade claro, afinal o que andavam ali a fazer 3 motos tão grandes com 3 tipos vestidos de igual, chamavam-nos gémeos. No nosso segundo dia e último no Malawi destaco os campos plantados com folhas de chá, a perder de vista numa paisagem quase idílica rodeados de montanhas e com um clima a fazer lembrar o país do chá das 5. Com chuva miudinha, nevoeiro e algum frio chegámos ao nosso país de destino.”

Moçambique

“A nossa passagem pelo Posto de Travessia de Melosa não foi fácil, lembram-se do começo deste artigo? T.I.A. (this is africa) e africa is Not for Sissies (África não é para meninos), pois é verdade. Nesta fronteira para entrar em Moçambique foram “só” 8 horas. A culpa não foi do covid nem sequer da corrupção, nada disso. A culpa foi de uma tempestade que avariou o hardware informático que emite e regista os vistos, sim tal como no outro posto de Cassacatiza. Mas desta vez voltar para trás não era opção. Perante a nossa insistência e ameaça (verdadeira) de acamparmos à porta do Posto, o oficial da Imigração tudo fez para nos conseguir emitir os vistos. Foram 8 horas em que um técnico chamado de urgência da cidade próxima Milange tudo fez para reparar a máquina. O Posto encerra portas pelas 18h e nós saímos de lá já passava das 20h. Deixo aqui o nosso sincero agradecimento às autoridades do Posto de Melosa pelo profissionalismo e simpatia. Ainda nos escoltaram até ao alojamento em Milange.”

A emoção de estarem em solo moçambicano e poderem falar a sua língua foi imensa. Estavam cada vez mais perto do objetivo, a razão de ser desta viagem.

Qualquer português de viagem por Moçambique sente-se em casa, se estiver a viajar de moto ainda mais, de tal forma é recebido e acarinhado pelos motociclistas moçambicanos. Foi o que lhes aconteceu, quer os Motards do Norte quer o CHORC do Chimoio são excelentes anfitriões.

“Se pesquisarem Moçambique no google encontrarão fotos com paisagens de fazer sonhar, pois é isso mesmo. A Ilha de Moçambique classificada pela UNESCO como património Mundial é uma pequena ilha ligada ao continente por uma ponte de 3 km. Ali sentimos uma forte presença dos portugueses, percorrer as suas ruas e praças é viajar no tempo. Vasco da Gama aportou na ilha em 1498 e desde aí esta tornou-se num importante entreposto comercial na rota entre a Europa, África e Ásia. As suas águas azul turquesa convidam a nelas mergulhar, por ali estivemos 2 dias só a beber história e algumas 2M, a cerveja local.”

Hospital Geral do Marrere

“Num dia muito quente, avistamos a fachada majestosa deste hospital maternidade.”

O acesso ao hospital é feito por uma estrada de terra que estava em obras, foram pela pior das alternativas, muita areia, muito suor, mas finalmente chegaram.

Tinham à sua espera o Dr. Falamica, ex director do hospital e principal interlocutor e também o Jorge Toureiro um português radicado em Nampula e que junto com a sua mulher Manuela lhes deu um apoio formidável, ele vai ser o representante da BWF em Nampula.

“Eu o Paulo e o Rafael fomos dominados pela emoção num misto de amargo e doce, doce porque finalmente estávamos ali, amargo porque o nosso contentor não tinha chegado como estava previsto, era o Covid e o caos nos transportes marítimos a estragar os nossos planos e desejos. Chegará segundo nos garantiram a meio de janeiro, mas chegará e lá teremos o nosso Jorge para o receber por nós.”

Depois de uma visita ao Clube Ferroviário de Nampula e de um jantar fabuloso oferecido pelos amigos Motards do Norte e de uma noite bem dormida em casa do Jorge era hora de rumarem a sul.

De Nampula a Maputo são 2.040 km, quem tem de se deslocar entre estas duas cidades fá-lo de avião, apenas os camiões e autocarros a percorrem porque são obrigados. Existem à volta de 700 km que são impróprios para cardíacos, foi uma zona que esteve em guerra há pouco tempo e que não é alvo de qualquer manutenção faz muitos anos, crateras onde cabe um carro ou uma moto, mais buracos que um queijo suíço.

“Fizemos estes 2.040 km em 4 dias Nampula – Caia 685 km, Caia – Vilanculos 678 km, Vilanculos – Tofo 320 km e finalmente Tofo – Maputo 500 km. Perto de Caia ficamos alojados num local que nos foi sugerido pelo Jorge Toureiro, no meio da selva rodeados de natureza, o M´Phingwe Lodge onde a água do duche é aquecida a lenha, uma delícia de sítio pertença de uma senhora do Zimbabué que por ali se radicou e criou aquele verdadeiro paraíso para os amantes da natureza, caminhadas e observação de vida selvagem sobretudo aves e borboletas.”

Estes 4 dias foram passados a rodar só com as paragens necessárias para abastecer as motos e os estômagos. Fizeram questão de ficar em Vilanculos pois para além de ser um local maravilhoso com praias lindas tinham sido convidados a lá pernoitar pela Elsa; ela e o marido são proprietários do Lemon Beach Lodge um local de referência em Vilanculos.

Depois foi o Tofo, bem o Tofo é o Tofo quem gosta de praia e de mar é ali que tem de ir.

“Vamos reter as ostras que comemos ao fim do dia e as conversas com um angolano e duas alemãs, uma delas instrutora de mergulho, o arroz com caranguejo também não estava nada mau. Estar descontraído ao pôr-do-Sol a olhar aquele mar e a pensar o quanto somos privilegiados por poder estar ali naquele momento é qualquer coisa de muito bom. Viajar é isto.”

Do Tofo a Maputo são 500 km de estradas impecáveis, beber água de coco à beira da estrada e por não serem locais pagaram 50 meticais por cada coco em vez de 30. 0,70 euros em vez de 0,40 e o vendedor disse que com os 3 cocos tinha completado a venda do dia, 10 cocos e podia ir para casa, estamos a falar de 5 euros, o suficiente para comprar arroz e talvez um peixe seco, amanhã logo se vê.

“No início do artigo e se bem se recordam escrevi que o factor Covid nos iria condicionar os planos, pois é primeiro foi o enorme atraso na chegada do contentor e depois foi a variante Omicron, maldito Covid e que estranhos tempos estes que estamos a viver. Voos de e para a África austral foram cancelados. O que queria dizer que o nosso voo de Cape Town para Paris e depois para Lisboa estava comprometido, só nos restava conseguir um voo de repatriamento e teria de ser a partir de Maputo e que significava que a viagem teria de acabar na capital de Moçambique.”

Resolvido o transporte das motos para a África do Sul nada mais restava do que se conformarem com a antecipação do fim da viagem.

Em Maputo mais uma vez foram tratados de uma forma que dificilmente esquecerão, o Rui Vaz, o António Lorvão não há palavras para agradecer a amizade.

Terminam a viagem em frente à Estação de Caminho de Ferro de Maputo, um edifício lindíssimo.

“Maputo que eu não conhecia surpreendeu-me pela positiva, a cidade das acácias, avenidas largas, esplanadas uma marginal fabulosa. Quero voltar, é uma cidade onde eu viveria com prazer. Ainda pude estar com um ex-colega o João Peixoto que não via desde 1997, também ele se enamorou por aquela terra e por lá vive e trabalha. Fizemos o nosso último jantar num dos restaurantes mais antigos da cidade o ‘Piripiri’ onde o frango assado é rei. Na nossa mesa esteve também o meu amigo Francisco Botelho que por razões profissionais também estava em Maputo e que muito nos ajudou no voo de regresso a Lisboa.”

Deixam Maputo numa segunda feira chuvosa, mas é chuva tropical, logo passará…

“O que não passa é a vontade de agradecer a quem nos apoiou nesta aventura:
NEXX Helmets, Moto Ponto, BMW Motorrad Portugal, BMW Motorrad South Africa, BP Portugal.
OBRIGADO!”

TESTEMUNHO / FOTOGRAFIA / VIDEO
BWF – Bikers Without Frontiers Association
https://www.bwf.world/